Papa Francisco: Uma voz de compaixão pela África
24 de Abril de 2025
A África está de luto. A perda do Papa Francisco ressoa de maneira profunda não apenas entre os fiéis católicos, mas entre todos os que enxergavam nele uma voz firme e corajosa em defesa das causas africanas frequentemente ignoradas pelos meios de comunicação. O pontífice não hesitou em denunciar as feridas abertas do continente, como os conflitos armados, a exploração de recursos, a pobreza extrema e as doenças negligenciadas. Ele se tornou um defensor incansável daqueles que, muitas vezes, não têm voz — e a África era, para ele, uma prioridade constante.
Desde o início de seu pontificado, Francisco demonstrou uma atenção particular aos migrantes, muitos dos quais são africanos em busca de uma vida melhor. A escolha de Lampedusa, em 2013, como seu primeiro destino fora de Roma, foi emblemática. Ali, diante dos restos de um barco naufragado, ergueu um altar e clamou contra a “indiferença globalizada” diante da dor dos outros. A partir desse momento, o Papa insistiu, mesmo contra correntes políticas e sociais, que os migrantes devem ser acolhidos, acompanhados, apoiados e integrados. Sua mensagem, por vezes impopular, nunca deixou de ecoar com força e humanidade.
O envolvimento do Papa com a África, no entanto, começou muito antes de sua eleição ao trono de Pedro. Quando ainda era Arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio respondeu a um apelo do Bispo moçambicano Júlio Duarte Langa, enviando missionários argentinos à Diocese de Xai-Xai, em Moçambique. Esse gesto de solidariedade pastoral refletia o coração missionário do Papa, preocupado em garantir a presença viva da Igreja mesmo nos contextos mais desafiadores.
Como pontífice, suas viagens apostólicas ao continente africano marcaram época. Em 2015, visitou o Quênia, Uganda e a República Centro-Africana — esta última, então assolada pela violência, foi considerada por muitos como a visita mais perigosa de seu pontificado. Mesmo assim, o Papa recusou coletes à prova de balas e visitou a comunidade muçulmana da mesquita central de Bangui, onde foi recebido calorosamente. Aquele gesto, numa área marcada por tensões religiosas, foi um testemunho poderoso de diálogo, coragem e fraternidade.
Durante o seu pontificado, Francisco também esteve no Egito, Marrocos, Moçambique, Madagáscar, Ilhas Maurícias, República Democrática do Congo e Sudão do Sul. Em muitas dessas viagens, falou sobre paz, justiça social e reconciliação, destacando a força do povo africano diante das adversidades. Em Kinshasa, chegou a dizer: “Tirem as mãos da África! Basta de sufocar este continente!” Suas palavras ecoaram como denúncia e profecia diante da exploração continuada da África por potências externas.
Em vários momentos, o Papa foi a única voz a clamar pela África. Durante a pandemia de COVID-19, fez apelos veementes para que o continente não fosse esquecido na distribuição das vacinas. Alertou para a desigualdade global e conclamou um espírito de responsabilidade solidária. Ele sempre enxergou, por trás de cada estatística, uma pessoa, uma história, uma dor.
Seu amor pelo continente foi pastoral e profundo. Em Roma, celebrou missas no rito litúrgico zairense e exaltou a riqueza espiritual africana, sugerindo que esse modelo poderia inspirar outras culturas. Encorajou os africanos a valorizarem os anciãos, as tradições e a diversidade étnica como sinais de alegria e não como ameaças. Sua empatia, sua sensibilidade e sua ousadia em se deixar tocar pela espiritualidade africana marcaram sua trajetória.
Hoje, enquanto muitos choram a partida de um Papa que caminhou ao lado dos pobres, os africanos se lembram de um homem que nunca os tratou como problema, mas como povo digno, resiliente e cheio de esperança. E, quem sabe, como nos sugerem as imagens do santuário dos Mártires de Uganda, foram esses mesmos mártires que correram à frente, para receber com festa o Pastor que tanto os amou.